A espera e os passarinhos

A espera e os passarinhos

vivia perguntando a minha mãe, afinal o que eu era?
ela sorria como se eu soubesse, como se ouvisse de mim uma queixa retórica
talvez a parte mais entranhada de mim soubesse, mas não me contava
e eu vivia acordando cedo, sendo o primeiro a abrir a porta, a esperar passarinhos no quintal
e ai vinham, vinham em bando, ou não vinham
sempre dali, de lá
eu por despertar cedo, eu tinha tempo de cuidar que encontrassem toda sorte de coisas no quintal
porém por mais cedo que eu acordasse,
nunca era cedo o suficiente para descobrir um modo para que um deles ficasse
Não sei porquê essa obsessão, talvez pelas histórias que ouvia quando menino
Dizem que uma vez na vida, um passarinho simplesmente fica,
encontra nas mãos de quem espera, um ninho.

Certa altura da minha ingenuidade pensei que era um jeito sutil de falar sobre gaiolas,
E descobri que passarinhos já nascem sabendo como atravessá-las, por mais cerrada que elas sejam,
e que se eu tomasse o cuidado de torná-las tão cerradas quanto possível,
eu não conseguia ver, nem ouvi-lo.
Era como ter uma caixa que piava abafado e não um passarinho
Deixei essa ideia de gaiolas e caixas de lado. Acredite em mim, não funcionam
hoje me preocupo em continuar acordando cedo e cuidando do quintal,
e eles continuam indo e vindo
e às vezes me pego desconfiado desse tipo que fica
talvez só exista nas histórias. Talvez histórias daquele tipo que não se deve levar ao pé da letra

Mas a verdade é que quando me perguntam se acredito nesse tal passarinho, eu nunca digo que não.
Falo meio baixinho enquanto abro a porta:
“Dizem que são raros”
E sempre me respondem num riso o que minha mãe sempre me escondeu:
você é mesmo bobo
JL