O sonho, o skate e o abraço

O sonho, o skate e o abraço

 

Sonhei que esbarrei por um acaso com um colega de classe da época do ensino médio, numa espécie de sala de estar. Nós começamos um diálogo e por algum motivo me senti na necessidade de repassar a ele algo que eu aprendi com os anos, algo sobre acreditar nos próprios princípios.

Enquanto eu falava, pegava seu skate emprestado e tentava fazer uma manobra numa pequena rampa que havia próximo a ele (os sonhos são mesmo incríveis. Colocam coisas tão destoantes num mesmo ambiente e ainda nos sentimos no cenário mais possível do universo).

Era uma manobra que eu nunca fiz antes, mas eu sabia como funcionava, sabia o passo-a-passo…E o skate sempre entortava de direção, eu caia e tentava me explicar ao meu colega “eu nunca consegui fazer essa manobra”, que era engraçado minha patetice, que me perdoasse pela bobice.

Então esvaziei minha mente da vergonha que sentia sobre aquilo, me concentrei no passo-a-passo, sem temer o erro, nem pensar na grandiosidade do acerto. Apenas me foquei e com calma fiz! E fiz de fato!

Terminei a manobra perfeitamente, o skate continuava com impulso, emendei com outra q nunca havia planejado. Eu pensava no presente, no que vinha no instante e reproduzia uma ação possível. Ele se impressionou e eu fiquei muito feliz, não pelo impressionar dele, mas por eu ter conseguido, por eu me sentir livre de amarras.

Lembra do conselho? Eu o dava enquanto tentava o que acabei de descrever. O conselho era sobre ser capaz de deixar uma pessoa que já não vemos real sentido em manter conosco, principalmente sobre a dor que sentimos ao fazer isso (e eu dizia o quanto sabia sobre o medo da solidão, como era difícil se ver com as mãos sendo esvaziadas do punhado de “finalmente talvez seja alguma coisa” que você conseguiu apanhar na vida).

O conselho girava mais no desabafo do quanto eu sabia que era terrível a sensação de ter as mãos esvaziadas, sem garantia que a decisão correta traria algum consolo ou só uma solidão profunda.

Mas eu dizia, apesar da dor, que era necessário, era o correto e eu sentia em mim que isso era um fato inquestionável.

Entende? Não se tratava de que talvez o melhor fosse ficar, mas a respeito do partir apesar do medo.

Como uma conversa sobre a desagradável sensação de se lançar em alto mar depois do navio naufragar. Por mais que sejam doloridos os relatos, em nenhum instante alguém cogita que talvez a melhor opção fosse ficar no navio.

Depois saí do cômodo e esbarrei com a mãe dele, minha ex diretora. Ela era mais alta que eu, sempre foi. Sorriu, me abraçou com uma certa felicidade que gente mais adulta mostra ao ver uma criança que há muito não via “Como você cresceu!”.

Achei engraçado, e comentei meio sem jeito “acho que desde os meus 16 anos, eu não cresci mais que aquilo”. Ela continuou o abraço e disse “seja sempre bonito, menino!” Uma versão de uma frase que ela me disse muito tempo atrás(não em sonho, mas na vida desperta) “você deveria sorrir mais, você fica muito mais bonito”.

Naquele instante eu senti o mesmo que no momento do skate; a necessidade de livrar minha mente de receios, de “o que será que ela está pensando de mim?” ou “quão bobo eu pareço agora?” e apenas me deixei ser “O que é ser bonito pra você?” perguntei num tom de franqueza, como quem quer descobrir alguém.

Naquele instante eu senti o porquê ela havia dito que cresci. Eu me sentia do tamanho dela, até maior. Sentia que eu a protegia por um instante do mundo, ela estava em meus braços e não mais eu nos dela. Havia um ser humano acolhido em mim.

O abraço terminou, ela me olhou com alegria e surpresa antes que eu acordasse e disse “seja sempre assim”.
JL