Por entre os dedos

Por entre os dedos

 

As pessoas me escapam por entre os dedos. Sequer chego a conseguir segurar suas mãos, apenas toco nas pontas de seus dedos, dedos gelados, dedos desacostumados.
Eu lhes digo a parte bonita de algo, a parte que está bem feita e pronta pra se cheirar e sorrir. Elas sorriem e dizem que sim. Que querem.

E eu aponto que não está aqui, entre nós, mas pode estar. E aponto o arado, aponto a terra viva, aponto ferramentas para capinar e então… as pessoas me escapam por entre os dedos. Elas dizem não. Elas dizem não.

E eu entendo. O arado não é coisa pra essa gente de cidade grande, a terra não é coisa pra essa gente concreta.

Por isso eu digo que começaremos por sentar e aproveitar a vista de uma das colinas que conheço. Uma colina sem formigas, com flores e um por do sol paralisado. Convido e digo que ali começaremos do início, sobre as coisas belas, entre os calos, entre as estiagens.
Elas não ouvem, as pessoas apenas desejam sentir a pele na grama fresca, o calor na alma, aquele sol de pintura, estático, de cores. Elas balançam a cabeça e dizem ser lindo o que digo, mas mirando todo o amor para a pintura, respirando fundo os aromas da grama crescida.

Pois bem, eu digo sorrindo um riso de quem quer acreditar. Pois vamos começar. “Começar o que?” Começar a permitir que as flores venham. “Pois eu já tenho o sol, e sou uma das flores, e sol, e chuva, me bastam.”

Pobre gente essa toda… não ouvem um pio de nada. Gente concreto, gente pesada, gente de cidade, gente automóvel.
JL