O público e o artista

No dia 10 de novembro de 2016, o revoltirinhas fez história nos quadrinhos nacionais. Fomos os primeiros a ter um quadrinho 100% digital aprovado no catarse.

Foi uma luta contra preconceitos e desinformações sobre como é custoso e absolutamente nada viável para o artista independente “investir” no formato físico.

Antes de iniciarmos nossa campanha, procuramos alguns artistas independentes que já tiveram projetos aprovados pelo catarse. A abordagem foi simples: Enviamos a tirinha abaixo e esperamos suas reações.

Prejuizo

Eis algumas das reações:

prints
Por ordem de aparecimento: Ricardo (criador do Ryotiras), Raphael (criador do Linha do Trem), Rebeca (criadora da Inc) e Má Matiazi, criadora da M. Matiazi). Todos quadrinistas que já tiveram seus projetos aprovados várias vezes.

A medida que íamos mostrando essa tirinha, as reações semelhantes se acumulavam aos montes e minha curiosidade em saber porque continuavam a insistir na mídia física e sequer cogitavam a digital só aumentava.

Com exceção do Raphael, todos alegaram a mente fechada do público em geral e a grande dificuldade que seria conscientizar o público dessa realidade. Foi ai que um trecho específico do documentário do Alan Moore explodiu na minha memória:

Imagem redirecionada de https://vimeo.com/99552867

“Nos últimos tempos, creio que os artistas e escritores têm permitido serem vendidos, sendo levados pela maré. Aceitaram a crença predominante de que arte e a escrita são simplesmente formas de entretenimento. Não são vistas como forças transformadoras, que podem mudar um ser humano e a sociedade (…)
Não é trabalho de um artista dar ao público o que o público quer. Se o público soubesse o que quer, ele não seria o público, mas o artista.
É trabalho do artista dar ao público o que o público necessita.”

E esse aqui (da Nina Simone) apareceu na minha timeline tempos depois:

“… Eu escolho refletir os tempos e situações que me encontro. Pra mim esse é meu dever. E nesse tempo crucial em nossas vidas (onde tudo é tão desesperado, onde o cotidiano é uma questão de sobrevivência), eu não acho que você vá conseguir ajudar se não se envolvendo.
Jovens, negros e brancos sabem disso. É por isso que eles são tão envolvidos em política. Ou nós moldamos esse país, ou ele não será moldado por mais ninguém. Por isso penso que não temos escolha.
Como você pode ser um artista e não refletir os tempos?
Essa pra mim é a definição de um artista.”

Dos primórdios da sociedade, em seus momentos mais libertadores, os artistas conscientizaram as pessoas através de sua arte. Arte é a maneira mais lúdica e didática de despertar o intelecto, o espírito crítico, a coragem e a mudança. Porém hoje (como já disse o tio Alan) são poucos os artistas que desejam usar essa ferramenta pra despertar, para se imporem quanto seu papel perante o público, rememorar sua importância.

Apesar de todos os que conversei terem se desinteressado em abrir essa discussão com o público, eu fiz o que acredito ser o dever de um artista (mesmo o mais medíocre), usei a arte para despertar e consegui, mesmo que timidamente. A primeira campanha de quadrinho totalmente digital a ser aprovada no catarse, indo para muito além da meta original.

O interessante foi ouvir o silêncio de curtidores e leitores que encheram linhas com tantos argumentos de que o público nunca aceitaria isso. De um bando de vozes que gritavam e chacoteavam o projeto, não houve um “piu” depois do sucesso da campanha.

Os artistas tem um papel crucial na conscientização social. Arte sem conscientização é como um corpo sem alma.