Tough Talk

cartas

Tentou destrancar o apartamento, a chave girou dura, já estava aberto. No empurrar, a porta recusou-se a meio caminho.
Melissa entrou esgueirando-se e viu a casa revirada.
Ele estava sentado no meio da sala, com a roupa de escritório suada, com papéis, fotos, CD’s, cartas e tudo que eram detalhes dela o rodeando numa bagunça infernal. Melissa buscava com o olhar uma maneira delidar com aquilo, no ritmo da respiração ofegante dele.

Melissa: – E então? Achou alguma coisa?

Ele apenas ofegava com um olhar sério para frente, constrangido, com as mãos espalmadas no tapete, com os sapatos ainda calçados.

Melissa: – Você perdeu uma oportunidade muito bonita de nos reaproximarmos. De dizer o que sente. De sentir que o que te digo é verdade em tudo que eu respondesse. De me fazer sentir acolhida… (Melissa parou, olhou mais uma vez aquela sala estraçalhada em papéis. Sentou-se na cadeira ao lado da porta, onde sua bolsa se encolhia.)… Mas você me tratou como uma coisa, um animal doméstico que não pode sair da cerca. Você meramente quis checar.

Ele: – Você já me deu motivos. Já te perguntei e você simplesmente negou. Você e suas cartas estúpidas, seus flertes por correspondência.

Melissa: Você se preocupa porque isso fere seu orgulho, não é?

Ele continua imóvel, a respiração ainda é forte, exausta.

Melissa: – Você se preocupa com o que me levou a escrever aquelas cartas? Ou ter a coragem de se permitir confessar o motivo dos seus receios mais francos? De me convidar para uma conversa honesta em que você procurasse franqueza e não crimes?

Ele arremessa uma gaveta na parede da televisão, o barulho a acerta no estômago e ela levanta num tremor.

Ele: – Besteira! Você sabe que as coisas não andam bem no trabalho! Que eu não tenho cabeça pra esse tipo de conversa.

Melissa: – E quando você um dia teve? Na época em que as coisas estavam tranquilas, por que você nunca fez? Você nunca se envolveu. A sincera preocupação por mim nunca te motivou a querer saber. Apenas do seu ego. Apenas quando algo poderia te embaraçar, te fazer se sentir traído.

Ele: – Você adora me fazer sentir uma má pessoa. – Ele coloca a mão na cabeça, sentindo pena de si.

Melissa: – Não se trata de bondade ou maldade, Renato. Se trata de frieza ou amor. Uma pessoa fria não é uma pessoa necessariamente má. Você não é mau. Uma pessoa fria só não tem o mesmo interesse de uma pessoa que ama.

Ele bufa, contendo uma risada raivosa.

Melissa: – Uma pessoa fria se preocupa com o próprio ego. Uma pessoa que ama considera que tudo que atinge a pessoa amada também a atinge. Porque a felicidade do outro é a felicidade dela.

Ele se levanta, alterado, avança em sua direção apontando o dedo pra ela. Melissa se encosta à parede, quase virando o rosto.
Ele: – Você não tem o direito de dizer que o que eu sinto não é amor. Eu não sou um animal sem sentimentos. Você não tem o direito de dizer isso!

Melissa: – Podemos dar o nome que quisermos pro que sentimos. Você pode chamar isso que sente de amor, como também de chocolate com avelã. O problema é que você nunca me explicou o que significa amor pra você. Apenas reluta em dizer que sente e reluta em guardá-lo apenas pra si.

Ele se afasta.

Melissa: – Não existem mais cartas, Renato. Eu não acredito mais nelas, ou no amor. Seja o seu ou o meu. É uma ilusão. E hoje, ao menos essa ilusão, já não me engana mais.

Melissa pega a bolsa e parte, resoluta. Renato caminha para a geladeira para beber algo.
Ela sempre volta, desfigurada e aos prantos. Ele não se incomoda, desde que as malditas cartas não voltem a aparecer escondidas pela casa.

JL