Os (novos) Anos Dourados

anos dourados

Me lembro que, quando pequeno, ligava a televisão de tubo, um botão vermelho projetado em exagero para fora, com um “click” mecânico e lubrificado que se fazia só depois de pressioná-lo fundo contra o aparelho. Então um som surdo, agudo, meio estático, ecoava pelo cômodo (um som tão característico e único, que era impossível não saber que alguém ligou uma televisão, mesmo uma televisão no “mute”). A imagem começava então, fantasmagórica, o som vinha num “fade in” e em 2 ou 3 segundos, tudo estava “nítido”, arredondado, meio chuviscado. Globo, SBT, TV Manchete, Bandeirantes e, em dias de sorte, TV Cultura (entre chuviscos e tarjas pretas deslizando pelo vidro).
Nesses canais eu vi filmes que retratavam toda a ternura, toda a inocência e perfeição dos anos 60 e 70. As famílias eram mais fortes. As aventuras, mais emocionantes. Os romances, mais avassaladores. E o mundo, um lugar muito mais entusiasmante e otimista quanto a si mesmo. Um tempo que sempre vinha com a expressão “Nessa época você nem sonhava em nascer”, e os olhos se voltavam para a tela, vidrados. Suspiros saudosos, como um sonho acordado. Olhos que diziam “sim! era assim mesmo!”.
A memória da minha infância ainda é muito viva. E, especialmente nesses últimos tempos, onde tenho assumido minha vida adulta. Essas memórias retornam com força e eu começo a lembrar como cada coisa (cada pequena coisa) era empolgante, inocente e cheia de vida. As famílias pareciam mais unidas, as brincadeiras mais criativas, as aventuras mais emocionantes. Ligo a televisão e vejo seriados que mostram como os anos 80 e 90 eram tão cândidos e cheios de algo que o mundo perdeu nos tempos de agora. E ouço um suspiro sendo roubado de mim, como os que vi saírem dos adultos da minha época de menino.
As empresas de jogos correm pra lançar remakes em pixel art, megadrive, snes, action figures, dragon ball, tudo voltando… todos os nossos velhos brinquedos, polidos e recolocados em nossas caixas de brinquedos. Agora para crianças adultas, que moram sozinhas e sentem falta de seus amiguinhos de rua e da ternura esquecida.
Mas meus pais também viveram os anos 90 e, para eles, não havia esse brilho todo que havia para mim. E meus avós também viveram os anos 60 e 70 e para eles não havia o brilho que havia para meus pais… E assim se seguirá até o início dos tempos…
Então percebi que os anos dourados sempre serão aqueles que se passam frente aos olhos de uma criança.
Tudo é profundamente empolgante para elas, cada detalhe é inquietante (no mínimo, inquietante).
Sei que um dia minhas filhas suspirarão de saudades dos novos anos 10 e 20, todos os revezes, todas as limitações tecnológicas e sociais que passarmos… para elas, tudo terá um brilho único de vida, de inocência.
Talvez esse seja um dos maiores sinais que estamos envelhecendo… Não são as rugas, ou a independência financeira, mas a perda do fascínio. O descer por vontade própria do trem dos anos dourados, achando que foi ele que deixou de seguir adiante. Olhar para trás, pensando que ele está ainda lá, naquele trecho que ainda eramos seus passageiros.
Os anos 90 foram incríveis para mim e me preocupa muito eu não sentir mais isso pelos novos anos 10. E sei que um dia minhas filhas saberão me dizer cada detalhe fascinante desses tempos que andei passando olhando pra trás…

JL