Sarau revoltirinhas – telefonema

– Você prefere que ele saiba pela TV? Por um jornal desses?
– Ele já tava sabendo antes.
– É. Mas piorou. Quer dizer: Eles GOSTAM de dizer que piorou.
– Não vou entrar nessa discussão contigo. É melhor só deixar isso passar, sabe. Lá nem deve ter TV.
– Tem internet e tudo. Eu mesmo assinei o contrato. Faz dois anos já.
– Então ele já tá sabendo.
– Tá tudo bem então? O negócio é aceitar?
– Você ligou pra ele?
– Liguei. Tava daquele jeito. Não dá pra saber, sempre todo fingido. Todo filho da puta…
– Foi sendo fingido que ele conseguiu segurar a barra em 68.
– Eu disse: fingido e filho da puta. Mostra aí, Luiz! Qual a vantagem de ser filho da puta? Tu num é o “positivão”?
– Posso te mostrar um murro na tua cara.
– Eu só não quero nenhuma tragédia, porra. Tá todo mundo surtando.
– E se a gente fosse lá ficar com ele? Tipo, a gente não conta nada. Assim: a gente vai pra ficar junto mesmo, sabe? Leva carne, faz churrasco. Aquele jogo de tabuleiro doido que ele gosta. Fica uns…3 dias.
– Você tem tempo pra isso? Porque eu não tenho. A gente vai, conta. Traz ele pra cá!
– Vai pra sua casa ver você e a Sandra brigando? ou pra minha ficar fazendo companhia pro cachorro?
– A gente conta! Passa uma tarde com ele e você fica lá. Eu cuido das entregas. A Sandra me ajuda.
– Tem tempo pra fazer dois trabalhos, mas não tem pra ficar com o pai…tu é foda.
– É melhor que o nada que você tava oferecendo.
– Ele é velho de guerra, cara. Passou por uma ditadura. Esse cara aí do governo é só um maluco, os tempos são outros.
– Sei lá…Ah, Luiz. Numa semana dessas ele veio com um papo meio emotivo…me assustou.
– A gente liga pra ele pelo Skype. Marca de ir. Ok?
– Ele vai dizer que não.
– Tem certeza que ele tava emotivo?
– Ele tava bêbado, mas tava. A Vera contou que ele anda estranho…mais sozinho. Outro dia pegou ele xingando.
– Xingando?
– É! No banheiro. Vera disse que ele tava resmungando alguma coisa, manhoso…
– Sei lá…eu fico sentimental quando tomo uns porres, e ninguém tá bem.
– É…ninguém tá.
– A gente faz uma visita semana que vem. Nessa não tem como. As entregas tão apertando.
– Foda que semana que vem a pista ainda vai tá bloqueada.
– É, mas tem a estradinha.
– É só pó e buraco. Vai ser a maior grana pra trocar a suspensão depois.
– Sei lá…ele vai ficar bem. Só falou merda. Quem não fala?
– É…vou deitar que a Sandra já foi.
– Tá bom. Qualquer coisa você sabe: pode contar com a gente.
– Digo o mesmo.
– Vai vir pro almoço amanhã?
– Nah. Não vai dar. Ainda quero limpar a caixa de gordura. Mas a gente vai combinando.

JL