Sem Título

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Eu não sei como o extremismo fascista ganhou voz, não precisamente. Mas sempre me pareceu que ele começou a ter força com a criação de algo que chamo de “espaços de redenção”. Lugares feitos para acolher qualquer pessoa em qualquer  estado de putrefação ética. Literalmente qualquer estado de putrefação ética. De assassinos a estupradores. De feminicidas a neonazistas.
Não que esses lugares sejam exclusivos pra casos tão extremos. Mas qualquer um que ali entre, receberá um grande sorriso de “bem-vindo” e uma chance (ou pelo menos a sensação de uma chance) de se redimir perante o mundo. Um lugar de perdão, uma nova família.
Pra que isso aconteça, essa grande chance de fazer parte de uma comunidade de novo; tudo que se precisa é abraçar a causa. E essa causa sorri pra cada visitante ao invés de condená-lo. Mais que isso: Essa causa busca desvalidos do lado de fora, entregam jornais, acenam sem que você precise olhar na direção deles. “Vai ficar tudo bem! Você é especial!”
A lógica é simples: O inimigo nunca estará naqueles que aceitam esse convite, nunca dentro daquele espaço. Se você apareceu, se você quiser visitar por mera curiosidade… Você definitivamente já não é o inimigo. Na pior situação, você é alguém que precisa de um abraço sincero, de uma nova família, uma grande família.
Se engana quem pensa que falo apenas das igrejas neopentecostais de viés fanático-conservador. Mas também dos clubinhos que erguem bandeirolas nacionalistas e estandartes de “família” “bons costumes” e tantas outras palavras que ganham aspas assim que você descobre o que eles entendem por essas coisas.
Eles começaram a fazer o que a esquerda tem nojo: distribuir indulgências por um preço muito barato. E quer saber? Funcionou.
Enquanto a esquerda se debate em minúcias ideológicas; enquanto a grande bandeira da extrema direita radical é o acolhimento e aceitação, o da esquerda (até mesmo a esquerda moderada) é o esculacho, o cancelamento.
Até ontem isso não era um problema, certo? Afinal, o mundo dava espaço pra se discutir, polemizar, se dividir. Se aglutinar em pequenos grupos orgânicos, sinérgicos de ideias bem particulares e progressistas.
Eram os tempos normais, onde eu acredito que a esquerda estava se experimentando, fazendo a famosa autocrítica. E rapaz, que autocrítica! Mas enquanto discutíamos e tínhamos nossas rixas, o fanatismo radical conservador se unia e não tinha nenhum pudor por quem fosse passar por suas portas largas. Não perdia tempo com minúcias entre os seus.
Preferia sempre olhar pra fora, pra quem ainda não estava ali dentro e usavam o ódio pra unir. E veja que ódio genial: Não odeie quem ainda está lá fora, mas o motivo de ainda estarem lá fora. “Odeie o jogo e não o jogador”, como dizem os norte-americanos. E o tal jogo passou a ser chamado de “esquerda”.
Hoje começo a me questionar se essa coisa das portas largas, da falta de nojo foi tão horrenda assim, ou se simplesmente foi uma atitude humanitária que perdemos em nós e que foi usada, de forma pouco honesta por eles.
Todos aqui já cometeram erros na vida, certo? Sabemos que uma das coisas que mais ansiamos quando nos vemos em remorso e segregados, é receber acolhida. Uma mão estendida que vê em nós o nosso melhor potencial. Que nos coloca no benefício da dúvida, do recomeço. Com um sorriso e uma palavra de incentivo. Você sabe que é verdade, eu sei que é verdade.
Mas enquanto a esquerda expunha e cancelava “os nojentos incoerentes”; a direita abraçava e dizia “ei! vai dar tudo certo! Você é uma pessoa especial. Esse mal que tá ai dentro não é coisa sua, é coisa do inimigo… da esquerda”.
Você já recebeu acolhimento de alguém em algum momento da sua vida? Uma mão que te ergue, que te apruma; que cuida de você apesar de você se sentir um nojento? Se sim, você sabe o que acontece depois: Você não se esquece.
Sabe porquê? Porque você provou o terror do descarte e sabe o que é não valer nada até pra quem você mais estimava.
E se essa pessoa que te acolheu te dissesse “não me agradeça. Agradeça a nossa causa!”
Vê como isso é forte? Como é natural que os redimidos sintam tanto amor e vontade de retribuir, de reler bandeiras atrozes como a do neonazismo e simpatizar com o fanatismo conservador?
Eu te pergunto: Mas não deveria vir da esquerda a semente do acolhimento, da reconstrução ética?
Sim, nós estendemos mãos aos oprimidos “limpinhos” do nosso espectro. Simpatizamos também com os oprimidos ainda sem causa. Mas e o resto? E os imundos? Os direitistas a esmo? Esses nós cuspimos, nós berramos. Fazemos cara feia.
Tantos já escreveram sobre esse ódio legítimo e já não é mais uma questão de deslegitimar essas tantas razões de asco. Mas ei! Olha pela janela. Olha pro seu tio do whatsapp.
Já é maior que qualquer tese, que qualquer texto “militudo”.
Os cancelados, os imundos agora nos olham do outro lado e estão devendo suas almas aos seus acolhedores.
É preciso mais humildade na esquerda, menos empáfia intelectual. Existe em nós um potencial mais honesto pra verdadeiramente acolher, pra tirar grilhões. De alguma forma isso adormeceu.
Enquanto puxamos os cabelos um do outro e berramos nossas minúcias, eles estão formando exércitos. Eles estão convencendo muitos de que a pobreza só existe por falta de esforço e que o grande problema do mundo é que os ricos ainda não conseguiram acumular dinheiro o suficiente.
JL